Quando eu era criança (e isso não faz muito tempo), meu avô Roberto promovia uma caça ao tesouro por ocasião da Páscoa. Lembro-me de uma ocasião em que, após seguir cada uma das pistas, precisei cavar para encontrar o tão desejado ovo de chocolate. Quem sabe tenha sido a partir daquele momento que passei a ter interesse em escavações arqueológicas!
Da mesma forma, gostaria de “escavar” a história da primeira Páscoa, a saída dos israelitas do Egito. O êxodo seria apenas uma invenção literária para o orgulho nacional hebreu? De que tipo de evidências arqueológicas dispomos quando tratamos sobre esse tópico?
Gostaria de apresentar três categorias de evidências neste breve artigo: (1) literária; (2) documentação egípcia; e (3) o orgulho nacional egípcio.
Sobre a primeira, a evidência literária, é inegável que o autor da história do êxodo (e também do Pentateuco) tinha um amplo conhecimento da língua egípcia. Palavras como cesto, linho fino, selo, arca, entre outras, são claramente de origem egípcia. Durante um curso de egiptologia na USP, apresentei esse argumento para o professor da disciplina. Apesar de negar a historicidade da história dos israelitas no país dos faraós, ele se mostrou bastante surpreso em saber do uso de termos egípcios na narrativa bíblica.
O mesmo poderia ser dito sobre os nomes de alguns israelitas, que são puramente egípcios. Merari, Finéias e Moisés são apenas alguns exemplos. O nome do “herói” hebreu é o exemplo mais conhecido. Moisés vem do verbo egípcio ms-n (a pronúncia aproximada seria algo como mase-n), que significa “nascido de”. Esse é um verbo muito utilizado no nome de outros faraós: Ramsés, Ahmose, Thutmose, etc.
Nossa segunda classe de evidências é a da documentação egípcia. Apesar de não dispormos de informações explicitas da presença israelita no Egito (isso será explicado no próximo tópico), podemos utilizar um documento egípcio que sugere um colorido autêntico para a história bíblica. Trata-se da Estela do Faraó Merneptah, filho do grande Ramsés II. Nesse documento comemorativo, o nome Israel é mencionado juntamente com outras várias cidades importantes de Canaã. O texto sugere que o povo de Israel já estava na “terra prometida” em meados de 1200 a.C., a data do documento. Um dos grandes defensores dessa afirmação é o renomado egiptólogo Kenneth Kitchen, da Universidade de Liverpool, na Inglaterra.
Por último, gostaria de mencionar algo curioso sobre o orgulho nacional egípcio. Para muitas pessoas, a ausência de evidências arqueológicas da estada dos israelitas no Egito traz certo desconforto. Mas note algo interessante: os egípcios dificilmente admitiam uma derrota. Por ocasião da famosa batalha de Kadesh (Síria), por volta de 1300 a.C., os egípcios a registraram como uma vitória. Por outro lado, seus oponentes hititas também deram-na como vencida! Ninguém sabe quem foi o vencedor da batalha de Kadesh. Sendo assim, dificilmente encontraremos um documento egípcio que mencione um grupo de escravos saindo da potência mais poderosa do mundo, naquela época, deixando-a totalmente arrasada por pragas enviadas por sua Divindade! Os egípcios não admitiam derrotas.
Mesmo diante desse quadro, as poucas informações que temos sugerem um pano de fundo autêntico para o evento que deu origem a uma das principais festividades religiosas do judaísmo e do cristianismo.
Luiz Gustavo Assis